Tive um cartão de crédito pela primeira vez há uns meses e não gostei da experiência.
Foi em 2018 que paguei a minha primeira coisa a crédito. Fui à FNAC comprar um telemóvel de que precisava e gostei muito de um que tinha acabado de sair, da ASUS. Aquela venda também estava com uma promoção de ganhar um bilhete gratuito para o NOS ALIVE, por isso aliciava mais.
Contudo eu não queria ficar sem dinheiro. Não queria tirar dinheiro das poupanças. Não me queria descapitalizar. Assim olhei para a opção de comprar a 10 meses, pela módica quantia de 40 euros apenas. E pensei: porque não experimentar?
Assim, fiz o meu primeiro cartão de crédito. Pedi, utilizei e comprei. Fiquei contente porque estava a sair da loja com o telemóvel e ainda rica. Uma millennial rica.
Aquilo ia-me só custar 40 euros por mês durante 10 meses. Parecia ser a melhor opção: sem me descapitalizar usufruia do que precisava desde o primeiro momento.
Fiz um cartão de crédito. Senti-me adulta.
Estava a ter uma dívida simples e facilmente pagável. Estava uma adulta responsável, estava a sentir-me the coolest.
Contudo não gostei da experiência de pagar algo mensalmente.
Durante 10 meses, enquanto fazia as minhas contas para saber com o que contava, detestava ver aqueles 40 euros a saírem da minha conta. Já tinha comprado o telemóvel há meses, ele já tinha caído ao chão milhões de vezes e já tinha passado o efeito de novidade. Aqueles pagamentos estragavam-me os planos de poupar mais e gerir o orçamento.
A melhor solução seria amortizar o valor em dívida, ou seja, em vez de esperar pelos pagamentos mensais, pagava de uma só vez o valor em dívida. Não o fiz. Para o bem da experiência fiz até ao fim.
Os pagamentos terminaram em Março. Uns dias depois o mesmo telemóvel pago a crédito durante 10 meses foi roubado no último dia de uma viagem a Madrid. Além de todo o stress, fiquei com um sabor a ironia na boca: no momento em que paguei este brinquedo e ele era finalmente meu, ele desaparece da minha vida. Nem a Alanis Morrissette previa tamanha situação.
A experiência do cartão de crédito repetiu-se, desta vez para uma compra bem mais cara.
Quando fomos a Nova Iorque, tive de fazer um cartão de crédito para reservar o hotel. Pedi um cartão de crédito com plafond suficiente para o hotel, só iria usar para este propósito e o pagamento seria a 100%. Ou seja, não ia fazer pagamentos mensais, não ia pagar juros. Mal usasse, mal o dia de pagamento chegasse, pagava e estaria livre de dívidas.
Fomos de viagem e voltamos em Dezembro. Sabia que tinha de pagar o hotel, mas como o check-out foi nesse mesmo mês, o pagamento só iria cair em Janeiro. Fiquei com a falsa sensação de riqueza durante a época festiva. Tinha ido de viagem, tinha gozado o hotel e tinham-me “deixado sair sem pagar”. Eu já estava em Lisboa e nenhum valor saiu da minha conta bancária.
Esta sensação durou apenas alguns dias, pois a minha cabeça não me deixava esquecer que tinha de usar parte das minhas poupanças para pagar aquele valor. Estava feliz, tinha liquidez, mas era falso.
Eu tinha liquidez pois via dinheiro na conta bancária, mas tinha uma dívida com um prazo para pagar. Nos primeiros dias de Janeiro, cheguei-me à frente, liquidei o crédito e senti-me muito melhor.
Sou Millennial e usei um cartão de crédito.
Tenho um cartão de credito, algo que muita gente da minha idade não tem. Não temos porque não temos liquidez para parecermos ricos.
Não vivemos como os nossos pais, nem temos a mesma perceção do mundo. Os menores rendimentos que temos, fruto de alterações no mercado de trabalho, são para ser utilizados para os gastos do dia-a-dia e a poupança vez sirva para as férias ou para um dia comprar uma casa. Entrar em dinâmicas de crédito faz-nos lembrar crise e endividamento, por isso fugimos a sete pés.
Com estas duas experiências percebi que um cartão de crédito é mesmo uma ferramenta que o consumidor controla, e não ao contrário. Deu muito jeito para a viagem, serviu o seu propósito e ficamos contentes com isso.
Mas descobri porque é que as pessoas usam cartões de crédito: é demasiado fácil.
Eu tinha o hotel para pagar. E chegava à véspera do dia de pagamento e eu já tinha gasto o valor noutras coisas. E não queria gastar da minha poupança que me custou tanto a ganhar. O que iria fazer? Pedia para pagar apenas 10% e chutava o problema para o mês seguinte.
Pronto, em vez de se pagar 1000 euros, paga-se 100 euros. Não é fácil? Sim é. Agora é só repetir o exercício para o carro, o supermercado, a televisão nova.
É uma facilidade demasiado fácil. Mas uma perigosa ilusão de que temos mais dinheiro do que se tem.
Foi esse o sentimento que não gostei de ter – viver numa ilusão. Era muito bom pensar como a minha vida seria se simplesmente passasse aquele cartão para comprar todos os meus desejos. Mas é falso, é irreal.
Se não tiver capacidade para pagar tudo aquilo, é uma ilusão. Se tiver, tenho de fazer uma boa gestão para não entrar em dívida. Sei que este pensamento vem da minha relação com o dinheiro e como fui educada. Acredito (e sei) que outras pessoas são educadas de outra maneira e utilizam o cartão de crédito como necessidade ou como algo que tem de fazer parte da vida de qualquer adulto.
Estas experiências fizeram conhecer-me melhor: não gosto de ter cartões de crédito e prefiro gerir o meu dinheiro sem eles. Traço de Millennial ou de responsável? É o que quiserem. Só sei que não gosto.