As médias no ensino superior são sempre faladas pelos alunos quando chega o mês de Setembro. Mas do que estamos realmente a falar?
Chegados a Setembro, para além do regresso às aulas, há alunos que se vão aventurar na sua próxima etapa na vida académica: a entrada no ensino superior.
Considerando 2020, as notícias indicam que nunca houve tantos alunos a concorrer para a universidade, em 25 anos. As candidaturas começaram no passado dia 7 de Agosto e o Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior confirmou que já concorreram mais de 62 mil pessoas, para cerca de 52 mil vagas disponíveis. Tal é compreendido como um sinal de confiança das famílias no ensino superior como um passo importante para começar a construir uma boa carreira profissional.
De facto, ainda vale a pena ter uma licenciatura. Os salários são maiores (não tanto quanto antigamente) e as ferramentas que se aprendem são um bom ponto de partida para um jovem de 20 e poucos anos ir para o mercado de trabalho com a visão e conhecimentos necessários para progredir na sua carreira. Mesmo com a Covid-19 a mudar o trabalho, o recrutamento, o talento e os escritórios, ter uma licenciatura é um investimento relevante na carreira de alguém, não pelo certificado que se conquista, mas sim pelos conhecimentos adquiridos.
Um dos principais pontos abordados é que se há mais pessoas a concorrer, as médias dos cursos no ensino superior vão aumentar. E este é um tema que é necessário reflectir, tal como é preciso pensar quais as alterações que devem ser feitas no sistema de ensino português e no ensino superior também.
Dá-se muita importância às médias, mas acho que as médias no ensino superior “não existem”
Como assim as médias não existem? No Guia da DGES de Acesso ao Ensino Superior, há uma longa lista de cursos disponíveis para um aluno se candidatar e entrar. E, para além do código do curso, é possível ver qual é a “média do curso” e quais os critérios utilizados para calcular a média de entrada.
Por exemplo, se vires o curso de Gestão no ISCTE, podes consultar o número de vagas disponíveis, quantas pessoas entram e, de facto, a média do curso, ou melhor, “Nota de Candidatura do Último Colocado pelo Contingente Geral” – neste caso, são 164,8 valores.
Esta é a média do curso? Não exactamente, é apenas a média da nota de candidatura da última pessoa a preencher a vaga. Isto quer dizer que essa pessoa é inteligente? Talvez sim, talvez não. Se há mais gente, de facto as médias sobem, não porque há pessoas mais inteligentes, mas sim porque há mais concorrência.
Vamos fazer um pequeno exercício para perceber as médias no ensino superior
A tua turma tem 20 alunos e é lançado um concurso de apanhar laranjas. Quem apanhar mais laranjas, ganha uma viagem a Nova Iorque. Contudo, só existem 9 viagens para oferecer, pelo que não podem ir todos.
Tu apanhaste 10 laranjas. Como só podem ir 9 pessoas, tu ficas de fora (quem apanhou 20, 19, 18, 17, 16, 15, 14, 13 e 12 laranjas ganhou a viagem. Tu “só” apanhaste 10, logo ficas de fora).
No mês seguinte, repete-se o concurso. O número de vagas são 9 à mesma e tu queres muito ganhar essa viagem. O que vais fazer? Apanhar o máximo de laranjas possíveis. E vendo os resultados do mês passado, vais querer apanhar pelo menos 12 laranjas para garantir o lugar. Assim apanhaste 13 laranjas. Estás confortável com o número, devido ao passado.
Contudo, tens uma surpresa: há duas pessoas que apanharam 19 laranjas e duas que apanharam 15 laranjas. Assim, que fica com a viagem foram os alunos que apanharam 20, 19, 19, 18, 17, 16, 15, 15 e 14 laranjas. Tu apanhaste 13 laranjas, mais do que ano anterior e mesmo assim não conseguiste o lugar! O número de vagas é a mesma, mas alguém se esforçou um pouco mais do que tu.
No terceiro mês, acontece exactamente o mesmo e tu estás preparado e vais dar o teu melhor. Recolheste 15 laranjas e conseguiste a tal viagem. Passaste de 9 para 15, estudaste mais, fizeste mais testes. Mas ganhaste mais conhecimento ou és mais inteligente? Ou jogaste melhor as tuas probabilidades?
Estes exemplos é o que acontece com as médias no ensino superior
No primeiro exemplo, existem 9 vagas e o último a entrar tem 12 valores. Assim, para o ano, tu “achas” que a média do curso é doze, mas olhando bem para os números, a média do curso é 16 valores.
No segundo exemplo, existem 9 vagas e o último a entrar tem 14 laranjas. A média do curso “subiu”, mas porque os interessados que concorreram tem melhores notas. A média do curso, mais uma vez, não é 14, mas sim 17 valores.
É isto que acontece no ensino superior e nos cursos ditos com médias altas.
Na tabela abaixo, recolhi dados de 3 cursos superiores e as suas respectivas “médias” nos anos 2000, 2010 e 2019
Nota do último candidato a entrar na 1ª fase | 2000 | 2010 | 2019 |
---|---|---|---|
Ciências da Comunicação FCSH – Universidade Nova de Lisboa | 167,5 | 172,5 | 172,0 |
Economia ISEG – Lisboa | 102,5 | 149,0 | 158,8 |
Medicina Faculdade de Medicina da Universidade do Porto | 184,3 | 185,2 | 182,7 |
Neste quadro, podes ver que em 2000, as médias de pelo menos dois cursos eram mais baixas. Nos últimos anos, os valores foram oscilando, mas mantêm a tendência de crescimento.
Os exames nacionais também podem aumentar as médias no ensino superior
Geralmente, os exames nacionais são uma das componentes de cálculo da média. Assim, quando um exame é “mais acessível”, as médias sobem. Porquê? Porque os alunos vão tirar melhores notas, vão conseguir ter mais “laranjas” e por isso haverá mais competição, fazendo as médias subir.
No teu caso prático, deves pensar nos números desta forma.
Se no teu curso havia 100 pessoas a concorrer e só há vaga para 60, as 60 pessoas vão preencher a vaga. Se tens pessoas a concorrer com média de 14 e o ultimo a entrar tem 12, então a média é baixa nesse ano. Contudo, como não queres ficar de fora, guias-te pela média do ano anterior. Mas nesse ano pode haver um grande interesse no curso e pessoas com boas chances entram nos cursos e as médias sobem. As médias no ensino superior são reguladas pela concorrência: há mais interessados, logo o grupo deixa de ser heterogéneo.
A outra face do problema das médias no ensino superior são as vagas
Segundo a Executive Digest e o Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, houve um aumento de apenas 1% das vagas. No Porto, há mais 142 vagas, a maioria para a Faculdade de Engenharia, que vai receber mais 110 alunos quando comparado com 2019.Em Lisboa, a Universidade Nova de Lisboa abriu mais 17 vagas na Faculdade de Ciências e Tecnologias e o Instituto Superior de Estatística e Gestão de Informação abriu mais 14 vagas (quando comparadas com o ano anterior).
A Faculdade de Economia da mesma instituição abriu mais 36 vagas, devido à crescente procura. As vagas também aumentaram nas zonas do interior, com aumento de 2% das vagas e os institutos politécnicos aumentaram 1,3% as vagas.
Pode-se ver que as vagas têm continuamente aumentado, mas se vimos que há mais de 10 mil inscritos que podem ficar de fora, é preciso que haja ainda mais vagas. Estes aumentos apenas fazem com que os alunos sintam a pressão de “apanhar mais laranjas” para poderem ser escolhidos.
A concorrência e o interesse são maiores, pelo que tens de ter melhores resultados. O interesse nos cursos de medicina, engenharia e gestão (porque têm boas taxas de empregabilidade) faz com que haja maior concentração nesses cursos e a distribuição de vagas não é equitativa. Assim, mais alunos ficam de fora.
As médias no ensino superior medem sucesso ou inteligência?
Como qualquer modelo, este é aquele que é utilizado para permitir o acesso de pessoas ao ensino superior. Portugal ainda tem um longo caminho para ter ainda mais pessoas com o ensino superior. Contudo, estas médias colocam-te a pressão de “entrares no sistema” sem ter em conta o entusiasmo, as opções de carreira, ou a aprendizagem.
O aumento de interessados para o ensino superior também foi intensificado com a crise do Covid-19. Com lay-offs e despedimentos, as famílias querem agarrar-se à educação como solução para a falta de rendimentos. Quem tem licenciaturas e mestrados e vai para cursos com mais empregabilidade, dificilmente ficará sem trabalho quando alguma crise ocorrer.
Contudo, não estamos a criar sucessos – apenas estamos a criar números de canudos. É preciso mais do que um papel para o sucesso.
Em vez de nos focarmos na utilidade e nas competências adquiridas, os alunos apenas se preocupam em ter notas. A própria experiência escolar fica contaminada se apenas vês os teus conhecimentos como números quando é necessário incentivar outras competências transversais que nem sempre são medíveis no contexto do ensino secundário.
Uma solução passa por passar para um modelo em que a licenciatura é apenas um ponto de partida e mais uma etapa de conhecimento.
Uma das grandes vantagens de ter uma licenciatura é as ferramentas técnicas que adquires. Contudo, cada vez mais pessoas acedem ao ensino superior para obterem o certificado, o “canudo”. Mas este diploma cada vez tem menos importância e cada vez menos se traduz em salários mais altos, estabilidade financeira e progressão de carreira.
A escolha e o acesso ao ensino superior devem assim focar-se menos nas médias e nos números (pois é um sistema facilmente contornado) e focar-se numa experiência escolar global, com hard e soft skills combinadas e promover outras iniciativas a alunos do secundário. A promoção de mais bolsas de estudo ou de mérito, quer no ensino secundário, quer no ensino universitário, podem também ser soluções para promover mais igualdade social.
Concluindo, luta pela tua média no ensino superior, sabendo que este não indica o teu valor pessoal ou profissional. E encara a tua entrada no ensino superior como mais um passo na tua vida, que deve ser aproveitado com conhecimento, boas experiências e companhias que te ajudam a crescer.