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A COVID-19 vai mudar o trabalho, o recrutamento, o talento e os escritórios

Starbucks Coffee building during daytime

O futuro é incerto e não sabemos tudo. Ainda assim, lanço algumas ideias como a Covid-19 pode mudar o mercado de trabalho.

Pensei bastante antes de escrever este post. Porque não quero ser alarmista, nem prever coisas que podem nunca vir a acontecer. Não quero fazer futurologista quando a mesma é pouco útil para os seres humanos vítimas do coronavírus, para as famílias que perderam os seus rendimentos e da economia dos países que certamente entrará em recessão nos próximos meses.

Este não é um artigo sobre futurologia: é um artigo sobre ideias.

É isso que quero trazer hoje: ideias que penso, ideias que leio, ideias que acabo por perceber que podem fazer sentido. Estou focada a viver o presente, mas não posso deixar de pensar no futuro. Porque tudo o que vejo à volta é mudança. Muito se fala na mudança de paradigma e do que essa mudança significa para empresas, economias, pessoas. E ao falarmos da carreira, das empresas ou da transformação digital nas empresas, é muito importante considerar algumas destas questões.

A Covid-19 vai mudar o trabalho: O trabalho remoto veio para ficar

Esta parece-me ser a mudança mais óbvia que a Covid-19 pode trazer. Esta experiência de trabalho remoto teve os seus desafios, mas também foi um abre-olhos para muitas empresas.

O mais recente artigo do Expresso “Teletrabalho: como os grandes empregadores estão a pensar o futuro” é esclarecedor neste ponto. 23 grandes empresas vão apostar no teletrabalho como componente do modelo organizacional. O trabalhador pode ter um horário misto, em que uns dias está no escritório e outros pode trabalhar em casa ou noutro local. Ou há mesmo empresas que avançam para o teletrabalho completo. Admitem que os trabalhadores são mais produtivos, garantem ter mais qualidade de vida e é possível poupar milhares de euros em infraestruturas e apostá-las noutras tecnologias.

O trabalho remoto está também a ser utilizado como mecanismo de retenção e atração de talentos. Há muito que as empresas já tinham ouvido falar do salário emocional e de que a remuneração é apenas uma componente do trabalho das pessoas. Com seguros de saúde, mensalidades de ginásio e dias de aniversário livres à mistura, a possibilidade de trabalhar a partir de casa vai ser mais um argumento para ajudar a captar talento produtivo e competente.

Mudar o recrutamento: sem limites regionais

Uma das possibilidades de deixar de ter escritório é as empresas poderem estender os seus processos de recrutamento ao território nacional completo. Já não é preciso alguém deslocalizar-se para a capital ou para à procura de emprego e de maiores salários.

Por seu turno, as empresas podem contratar alguém que esteja a mais de 50km de distância. Poderá ser possível um estudante do Porto concorrer a vagas de trabalho em Lisboa e não sair da sua cidade. Como será possível um profissional do Algarve procurar novas oportunidades de trabalho em Lisboa sem ter de fazer grandes contas de arrendamento de um quarto ou das viagens de gasolina que teria de fazer.

Este assunto levanta-me algumas questões sobre a competitividade e os salários já baixo. As empresas podem-se aproveitar para estagnar os salários, pois o salário médio de 1000€ brutos mensais permite uma vida “confortável” fora da capital, mas em Lisboa não chegam para pagar as rendas altas e as casas avaliadas acima de 400 mil euros. Quem mora nas cidades poderá continuar próxima dos grandes grupos económicos, mas terá mais concorrência.

Contudo, a educação e formação continuam a privilegiar um grupo de profissionais que, falando várias línguas e sendo digitais, podem facilmente partir para empresas internacionais ou 100% remotas. É necessário as empresas e os colaboradores navegarem nesta questão do recrutamento com cuidado, de forma a ter um acordo bom para ambos.

Por seu lado, as pessoas estão-se a defender ao pensar sair das cidades

As notícias já começaram a aparecer. O Governo vai dar apoios a criação de espaço de co-working no Interior e dar apoios económicos a quem passe a trabalhar nesses mesmos centros. Já existem várias discussões e já foram criados alguns apoios para fazer as pessoas retornar ao Interior. De facto, o afastamento das zonas urbanas traz mais qualidade de vida e o contacto com a natureza é uma ligação que o ser humano mais tecnológico deve privilegiar. Contudo, sem emprego, sem infraestruturas, sem pensamento estratégico, dificilmente alguém se muda para o Interior.

O trabalho remoto pode ser uma boa resposta ao problema da desertificação do Interior. Desde que se instale wi-fi, e considerando que existem profissões que podem ser feitas totalmente à distância, é possível pessoas que procuram melhor qualidade de vida irem para uma nova cidade diminuindo os seus custos e tendo um estilo de vida mais calmo.

Mudar o talento: competências digitais precisam-se

No início de 2020, a consultora de recrutamento Hays publicou o Guia do Mercado Laboral 2020, um extenso estudo sobre as tendências para a gestão de talento e de empresas. Na notícia tratada pelo ECO, as competências mais procuradas prendem-se com as soft skills, como capacidade de adaptação, resiliência, trabalho em equipa e inteligência emocional.

Já a Addeco realizou um estudo mundial recente “Resetting Normal: Defining the New Era of Work“, que aborda o impacto da pandemia na vida dos trabalhadores e nos locais de trabalho. Considerando o teletrabalho, os resultados “demonstram um apetite universal pelo upskilling em massa. Seis em cada 10 dizem que as suas competências digitais melhoraram durante o bloqueio, enquanto outros dois terços (69%) estão à procura de mais upskilling digital na era pós-pandemia. Um vasto leque de competências foi identificado como importante pela força de trabalho, incluindo a gestão remota do pessoal (65%), soft skills (63%) e pensamento criativo (55%).”

No fundo, a Covid-19 muda também a visão do colaborador sobre a sua carreira.

Há um maior foco no bem estar e o teletrabalho pode ajudar a manter um maior equilíbrio entre vista pessoal e profissional. É também inegável que, quem quer prosperar nas próximas décadas, tem de obter competências digitais e soft skills importantes para se adaptar às várias mudanças no mercado. Por isso para se ser digital é preciso investir também na literacia digital.

Assim podemos esperar um talento mais digital, mais inteligente, emocional e com mais capacidade de negociar com as empresas. Com a aberturas das fronteiras, quem é digital e souber falar inglês vai poder quase escolher as empresa para onde trabalhar e exigir mais benefícios na sua contratação, que não são lugares de estacionamento ou snacks no escritório. Podem ser sim o teletrabalho, mais dias de férias, um seguro de saúde para a família, entre outros.

Photo by Luis Villasmil on Unsplash

Mudar os escritórios: menos espaço, mais casas?

Lisboa está a mudar de forma exponencial. Desde 2013 que a cidade está permanentemente em obras com novos edifícios e ruas a surgir. Essa transformação era dada para escritórios e habitação. Contudo, se as grandes empresas que empregam mais de 300 pessoas deixam de precisar de ter escritórios de 10 pisos, pode apenas ter um open space de 1 ou 2 pisos.

Aqueles monumentos envidraçados que vemos ao passar de carro parecem ser más decisões de investimentos nesta altura, que têm de ser transformados noutra coisa. Assim, a habitação poderá ser rainha no investimento nos próximos anos?

Depende do que as pessoas querem. E não vai ser residências normais, mas sim de luxo. O problema de viver na cidade é que um cubículo de 50 metros quadrados não é bom para trabalhar. Pode assim nascer o formato “viver em comunidade”: os condomínios de luxo, com condições interiores (espaços, varandas, escritórios, salas climatizadas) e condições exteriores, com piscina, ginásio e creche. Sair de casa já não vai ser preciso e haverá conforto e segurança, desde que se possa pagar um T3 de 750 mil euros ou de 1 milhão de euros. Será natural cada vez mais as pessoas irem para a periferia procurar casas realmente grandes com jardim e que o metro quadrado esteja mais enquadrado com os rendimentos.

Portanto a forma de viver na cidade pode também mudar muito com esta pandemia.

O problema da ausência de escritórios é o comércio local

No outro dia, fui ao centro de Lisboa almoçar. O restaurante era um ex libris na zona. Estava sempre cheio, tinha mais de 10 colaboradores a trabalhar entre as mesas e o serviço era bastante rápido, enquanto havia 10 pessoas na fila à espera e clientes a entrar para jantar às 23h. Quando fomos lá almoçar a um sábado, estava mais calmo. Não havia tantos empregados e a lotação estava limitada. Havia menos mesas devido ao distanciamento que tem de se ter.

Contudo, o que será deste restaurante se deixarem de vir pessoas trabalhar todos os dias para aquela zona?

Se houver menos escritórios perto da zona, haverá menos receita para os restaurantes que prosperavam devido aos trabalhadores que lá passavam de segunda a sexta-feira. Há imensos serviços que estão abertos das 8h às 19h e fecham ao fim-de-semana pois a população moradora não chega para os seus investimentos. Se todos trabalharmos em casa, esses serviços vão fechar e vão dar lugar a mercearias, mini mercados, pastelarias e outros serviços próprios para quem é da zona.

Foi algo que notámos quando passeámos pelas ruas de Lisboa. A quantidade de cafés que conhecíamos que fecharam, porque não aguentaram estar quase 2 meses cerrados. Outros foram engolidos pela compra do prédio por um fundo de investimento qualquer que está a construir apartamentos de luxo naquela zona de Lisboa.

A Covid-19 vai mudar muita coisa, em imensas indústrias

Este artigo não é para ser futurologia ou desenhar tendências. Acredito que algumas vão se concretizar e outras acho que só o tempo o dirá. Viver uma pandemia é algo que nunca imaginaria na vida e está a ser uma experiência mais estranha que a crise financeira de 2010.

Há muita incerteza. Como será o próximo Inverno? É possível fazer planos a longo prazo? Irei viajar num futuro próximo? Como posso planear a minha vida com uma multiplicidade de factores que podem mudar tudo?

O mesmo ocorre com o trabalho, o recrutamento, o talento e os escritórios. Há muitos factores que influenciam os outros e prever cenários têm sempre uma margem de erro. Este ano de 2020 será estranho para as empresas e para a tua carreira, o melhor que podes fazer é ganhar a tal resiliência e aprenderes as lições que estão a ocorrer.

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