O salário deixou de ser o principal chamariz para um Millennial aceitar um trabalho. Percebe como o dinheiro assume um papel diferente para esta geração.
Todas as semanas gosto de ler artigos e sempre que há um sobre Millennials, gosto sempre de partilhar nas redes.
Há sempre um grande mistério de como gerir esta nova geração no local de trabalho (como se fosse difícil ou incompreensível, sem pensar sobre o assunto).
O último debate foi sobre o salário e apanhei dois artigos sobre a mesma temática.
O artigo do DN começava com «Salário já não é tudo para segurar jovens talentos no mercado de trabalho. As empresas debatem-se com escassez de recursos humanos e estão a ter dificuldade em reter as novas gerações. Os jovens mais qualificados criaram um novo paradigma no mercado de trabalho: já não é só o salário que conta para aceitar um emprego.».
Já a entrevista a Nuno Abreu, diretor executivo na Aon HR, no jornal ECO, revela o seguinte: «Através do estudo de engagement que fizemos, conseguimos perceber que o pacote de salário, benefícios, experiência e horário flexível — no fundo, tudo o que faz a experiência de estar na empresa — é muito mais forte do que apenas o salário. Desta forma, o nível de engagement consegue ser três vezes maior. Estamos a falar da parte emocional, que vai além do dinheiro. Depois, ainda há o fator fun, que tem a ver com o sentimento de querer, todos os dias de manhã, ir trabalhar. As gerações anteriores não davam tanta importância a isto como dão, agora, os Millennials.»
Após ler estes feedbacks quis tentar perceber, como Millennial que sou, porque é que concordava com estas afirmações, ou seja, porque é que para mim o salário pode não ser o mais importante?
A primeira razão é que o salário por si só está intimamente ligado a um sistema que não é possível aplicar para a maioria e também não é desejável.
O salário foi uma invenção do século XX para poder ter um compromisso dos trabalhadores para a vida – em troca de horas de trabalho extraordinárias, o empresário comprometia-se a dar sustento monetário até ao final da vida.
Os nossos pais ainda podem ter trabalhado décadas numa só empresa, gozando de maior estabilidade e de oportunidade de progressão. O mercado global já não permite esse tipo de visão e ficar mais de dez anos numa empresa pode ser uma raridade.
Assim há outros tipos de benefícios para além do salário que ganham outro destaque.
Porque os Millennials valorizam algo mais do que o salário?
Tempo vs dinheiro
Há uma verdade que os Millennials perceberam com a crise económico e, por isso, desde muito cedo. Não vale a pena ter dinheiro e não ter tempo.
O dinheiro é uma ferramenta que utilizamos para gastar nas necessidades básicas e actividades de lazer. Contudo, os vários zeros na conta bancária não nos tira a ansiedade de trabalhar num sítio tóxico; pode pagar a terapia para combater a depressão. Mas o dinheiro por isso si só e sem tempo não preenche. É a junção dos dois que permite ter uma melhor vida.
Quando estão em entrevistas de emprego, os jovens vêm a experiência no trabalho de uma visão 360. Mais do que olhar para o salário líquido, percebem quem são os líderes, como podem progredir, qual a missão da empresa, como é o espírito de trabalho. O equilíbrio trabalho-vida está cada vez mais a passar para a integração trabalho-vida, pelo que a componente vida não pode ser posta de parte num mundo que «não desliga».
A concorrência é global e com diversas formas de trabalho
Cada vez mais acho que as empresas portuguesas não percebem que a concorrência está diferente. Quando eu vou a uma entrevista, eu não estou a competir com outra empresa do sector, ou para a mesma função. Estou a competir com um mundo de possibilidades.
Eu posso ir a uma entrevista e posso não escolher aquela empresa, não porque existe outra, mas porque existe outro modo de vida. Eu posso trabalhar remotamente em Portugal para uma empresa alemã. Posso ser freelancer ou montar o meu próprio negócio. Ser a pessoa que tem um salário médio e complementar o meu rendimento com side hustle.
Assim, a escolha não pode ser feita só em termos de salário – é feita uma escolha em termos de estilo de vida.
Quanto tempo demoro nos transportes, se vou conseguir sair do trabalho para ter hobbies, se tenho flexibilidade para poder ir a eventos de manhã e ficar até mais tarde a trabalhar, se tenho disponibilidade para ir ao médico e ter um seguro de saúde para isso.
O estilo de vida é marcado pela disponibilidade financeira, é verdade. Mas aquilo que fazemos com essa disponibilidade é que vai ditar a qualidade das relações e da vida. Assim, quando se comparam diferentes propostas, o salário podem ser iguais ou diferentes, mas outros parâmetros também vão ser comparados e têm essa importância, devido à integração vida-trabalho.
Já não há carreiras lineares
Como já não há carreiras para a vida, não há também carreiras lineares. É possível ver um perfil de um jovem e perceber que ele esteve um ano a viajar e fez um GAP YEAR. Ou que voltou à faculdade para fazer um novo curso. E que fez voluntário durante seis meses. Ou que tirou um mestrado e mudou de área e de função.
Ficar 30 anos a fazer a mesma coisa ou a ter a mesma função não é uma realidade para os Millennials. Assim, a progressão de carreira é muito mais do que o valor do salário: é o ganho de competências, é o crescimento pessoal, é o acrescentar valor e produzir resultados em diferentes instituições e contextos.
É por isso bastante possível ser administrativa durante 10 anos e depois ser professora de Yoga. Estas escolhas mostram às empresas que os Millennials estão despertos a outros estilos de vida para além do tirar uma licenciatura, ter um trabalho, comprar um carro, comprar uma casa, casar, ter filhos, ser avô, reformar-se.
Com uma nova forma de ver a vida, o salário também adquire outro sentido.
Em vez de ser algo que é estável e quase garantindo (que já vimos não é), é visto como um instrumento que permite realizar coisas na vida. Contudo, a realidade dos recibos verdes, de freelancing, de falta de contratos com termo incerto inverteram o contexto. Havendo mais insegurança, há mais flexibilidade para o inesperado que acaba por trazer mais flexibilidade para fazer várias escolhas na vida.
O salário é assim mais um resultados das nossas escolhas do que um dado garantido pela economia. Ao escolher determinado estilo de vida, há determinado salário que nos permite viver esse estilo de vida. Mudando o contexto, teremos outro salário e outro estilo de vida.
Como gerir estas expectativas com os Millennials?
Estas três razões são apenas das muitas que explicam os artigos que tenho lido. É mito dizer-se que os Millennials desvalorizam o salário ou o valorizam menos. A verdade é que o salário adquiriu um peso diferente pois o contexto vivido é diferente. Assim, as empresas tiveram que se adaptar a uma nova realidade.
Este é um ponto mais delicado para quem é CEO e tem várias pessoas a seu cuidado. Há que inverter os papéis e perceber como sinceramente lidar com este novo mundo. Não é fácil sentir que estamos a contratar alguém, um colaborador em que investe tempo e recursos e saber que daí a um ano ele poderá estar de saída porque estava descontente com o pagamento. O Nuno Abreu na sua entrevista diz isso: para captar talento o salário não chega, mas para sair é decisivo.
Para gerir esta situação, fica o conselho – make it real.
Uma forma é as empresas jogarem o mesmo jogo que os Millennials, ou seja, mostrar que o salário é apenas uma parte integrante da experiência profissional. Não é atirar areia para os olhos e pagar mal durante um certo período e esperar que o colaborador fique.
Há que ter um plano de crescimento em conjunto, há que estabelecer as expectativas desde o início. Há que dizer ao colaborador que irão criar valor juntos.
As empresas podem preparar-se para ter outro tipos de benefícios e incorporá-los na sua cultura. É ser transparente e mostrar o que pode esperar da empresa e o que a empresa espera dele. Colaboradores e empresas não são reféns um do outro – é uma parceria que deve ser encarada como win-win. Se não está a dar para um dos lados, há que esclarecer o outro e ver o que acontece. Se os objetivos são incompatíveis há que mudar a relação.
Gerir Millennials é perceber como vêem o mundo e o que esperam dele. Se percebemos o outro lado, podemos ajustar e perceber quando há compatibilidade de objetivos e de relações interpessoais. A empatia e o entendimento ajudam muito no mercado laboral.